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sexta-feira, março 03, 2006

o sonho do Carnaval (neoliberal), até esse acabou também na quarta-feira

Quarta feira de Cinzas o jornal britânico Guardian noticiou, com um certo humor, que "no Carnaval do Rio aquilo que faltou de roupa sobrou de política". Este toque brejeiro tentando ridicularizar a velha tradição tuga/carioca do Entrudo adaptado à festiva e mestiça indolência tropical esconde um verdadeiro incómodo para os peles-côr-de-rosa racistas do norte.

Este ano o desfile no sambódromo foi ganho pela Escola Unidos de Santa Isabel cujo enredo celebrou a América Latina Livre citando o guerrilheiro Ernesto Che Guevara, e exibindo uma estátua gigante de Simón Bolívar, solenemente reverenciado como libertador do Continente americano"; misturando português com espanhol num assumido "portunhol" entoaram um samba épico intitulado "Soy Loco por ti, América: a Vila canta a latinidade" interpretado por mais de 3500 componentes, figurantes e músicos.
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Muito antes porém, a polémica já tinha estalado. A agência Reuter cedo se apressou a difundir uma noticia que dava conta que a "Unidos de Santa Isabel" estava a ser patrocinada pela Empresa Venezuelana de Petróleos (PDVSA), segundo instruções de Hugo Chavéz justamente o lider latino-americano cujo novo regime de caracter socializante inscreveu na Constituição do seu país a designação de "República Bolivariana da Venezuela". Logo a revista "Veja", dizendo que "estava a ser utilizado dinheiro do povo" ampliou o ruido da propaganda imperialista. De tal modo o fez que o Embaixador da Venezuela em Brasilia se viu obrigado a sair a terreiro e a corrigir a grande quantidade de mentiras, em carta aberta dirigida ao director.
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A história recente de revolta dos povos americanos contra a hegemonia da poderosa potência situada a Norte, habituada a gerir estes territórios, pela aplicação da doutrina Monroe desde o principio do século XX, como se de colónias se tratassem, tem provocado grandes azías em Washington. Chávez trouxe um novo fôlego ao regime de Cuba, incentivou mudanças drásticas na Bolivia trazendo ao poder os movimentos socialistas, e tem um prestigio incontornável em todo o continente depois que resistiu ao golpe yankee de 2003 e foi democráticamente reeleito.

Por isso os Neocons que tomaram o poder nos Estados Unidos ameaçam descaradamente intervir de facto para pôr cobro à rebelião. Tentam conseguir aquilo que ainda não conseguiram após décadas da implementação do Plano Colombia e do patrocinio desavergonhado de regimes fantoches criminosos contra os povos. Na verdade está em jogo uma das maiores áreas de riqueza não só a nivel sul-americano, mas a nivel mundial tanto em recursos biológicos como em matérias primas como o petróleo e o gaz, tão perto estratégicamente dos EUA e, no entanto, tão distantes politicamente. Estima-se ainda que a Grande Colômbia sonhada um dia por Simon Bolivar seja actualmente uma das maiores reservas de água do planeta, um bem cada vez mais escasso, que favorece uma biodiversidade notável à região, que se prolonga na Amazónia brasileira.
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Decididamente, o sonho americano já não é o que era. Do Brasil vão muitas levas de brasileiros da casta média alta turistar ao primeiro mundo, enquanto para trás ficam milhões de trabalhadores sujeitos ao regime de trabalho escravo. Coisas que sobraram do regime dos Coronéis que enriqueceram com a exploração neo-colonial norte-americana, que estão enraizadas e que nem a vitória de Lula e do PT conseguirá desalojar. Tanto que não conseguem, como tampouco nem sequer o tentam. Voltando ao turismo, quem vai do Rio de Janeiro a New York é, a determinada altura, surpreendido na esquina sul de Central Park por uma estátua de Simon Bolivar. Afinal o mundo é pequeno. E os ideais de épocas antigas, por estas bandas, são hoje bem diferentes e de igual modo tambem reduzidos.

Quanto daria Joãozinho Trinta o célebre animador de samba que este ano abriu o desfile da "Unidos de Santa Isabel" de cadeira de rodas à frente de mais trinta incapacitados do Hospital Sara Kubtischeck arrancando a maior ovação deste Carnaval, para estar aqui a ler a lápide da estátua de Bolivar:
" One of a trio of bronze equestrian sculptures representing Latin American Leaders, the Simon Bolivar statue commemorates a military general and advocate of Pan-Americanism. Bolivar (1783-1830) is credited with the liberation from Spanish domination of Venezuela, Colombia, Ecuador, Peru, Bolivia, and Panama".

Entre outros foi Frei Bartolomé de Las Casas, quem propôs para o Novo Continente o nome de Columba; o Ocidente começava assim a tentar apagar da história os que povoaram a América há 40 mil anos. Arturo Uslar Pietri, afirma que a arrancada do capitalismo e a actual civilização européia se devem à inundação de metais preciosos retirados das Américas!, E agora aqui estou eu, como o Cacique indio Guaicaipuro Cuatemoc de que recordo o discurso:
"O irmão europeu da aduana pediu-me um papel escrito, um visto, para poder descobrir os que me descobriram. O irmão financeiro ocidental pede-me o pagamento, com juros, de uma divida contraída por um Judas, a quem nunca autorizei que me vendesse. Outro irmão europeu, um rábula, me explica que toda dívida se paga com juros, mesmo que para isso sejam vendidos seres humanos e países inteiros sem pedir-lhes consentimento".

Na actualidade a vasta República que na época do libertador Simón Bolívar foi fundada em 17 de Dezembro de 1819 pelo Congresso de Angostura, deixou de existir em 1830. Porém naquela altura o seu nome oficial, pelo qual a chamavam todos, começando por Bolívar, foi a de República da Colômbia. O seu territorio chegou a compreender o das actuais repúblicas da Venezuela, Colômbia (que naquele tempo era conhecida como Cundinamarca ou, sobretudo como Nova Granada), Ecuador e Panamá.
É preciso voltar a acreditar no sonho de Bolivar, na Grande Colômbia que agora poderá ressurgir, ampliando o conceito, podendo finalmente unir todos os povos da América do Sul contra a exploração


A ocidente do Ocidente

Sob a metáfora, forte e quase enigmática, como o são quase sempre os títulos de Eduardo Lourenço,
A Morte de Colombo – Metamorfose e Fim do Ocidente como Mito
recebe a cultura portuguesa um precioso livro que em 13 ensaios nos devolve a nossa própria imagem de portugueses, mas desta vez no espelho invertido que foi (e continua a ser) para nós a descoberta da América e nela também a do Índio. Jogo paradoxal este o de Eduardo Lourenço, que no presente livro escolhe como ponto de mira e compreensão fenomelógica dos portugueses o modo como estes se revelaram e se foram constituindo numa identidade peculiar ao descobrirem(-se) (n)o Novo Mundo, quer dizer a “ocidente do Ocidente”, mais europeus e ocidentais que nunca.
Esta é em primeiro lugar uma reflexão que importa e implica todos os portugueses como História e Cultura, pois Eduardo Lourenço propõe-nos uma análise do olhar e do imaginário português que foi nos séculos XV e XVI a guarda avançada de uma Europa, hoje em profunda crise e até agonia, cuja situação se decide e determina neste século XXI em confronto com uma das Américas que resultou desta aventura: os Estados Unidos". (JL 28/2)
o “ovo de Colombo” (que assinava como o enviado de Cristo, - leia-se da Inquisição) está no óbvio: o continente americano é apenas um dos desenvolvimentos da Europa, da sua cultura e das suas potencialidades.
Desaparecendo a hegemonia da Superpotência e a tentativa de instituir um poder global único, todas as regiões e as potências regionais sobrantes, como iguais, se irão desenvolver em termos equitativos, promovendo o diálogo entre culturas e concertando programas de controlo ecológico que permitam um desenvolvimento sustentável, sem exploradores nem explorados.

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