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quarta-feira, julho 15, 2009

Deus como Paciente

... "a cólera não se pode explicar, existe. E a maneira como eles falam do mundo parece-nos muito próxima da Paris do Conde de Lautréamont no século XIX"

“Queira o céu que o leitor, tornado audaz e momentaneamente feroz à semelhança do que lê, encontre, sem se desorientar, o seu caminho abrupto e selvagem através dos lodaçais desolados destas páginas sombrias e cheias de veneno; pois que, a não ser que utilize na sua leitura uma lógica rigorosa e uma tensão de espírito pelo menos igual à sua desconfiança, as emanações mortais deste livro irão embeber-lhe a alma, como a água no açúcar”
Isidore Ducasse, citado na peça Deus como Paciente no Festival de Teatro de Almada por Matthias Langhoff: “foi nas escadarias de mármore da Comédie Française que comecei a ter pesadelos. Para chegar ao luxuoso mundo de Racine e Moliére eu era diariamente obrigado a passar por um bando de pobres sem abrigo que dormiam debaixo das arcadas que, na incoerência do seu discurso alcoolizado, diziam sempre a verdade. Enquanto a gente se divertia, eles esvaziavam sem parar os caixotes do lixo e controlavam tudo o que as pessoas deitavam fora, à procura de qualquer coisa que pudessem meter ao bolso para se alimentarem.. Compreendi então que o mundo é um lugar terrível. Estes são os contrastes de uma miséria muito contemporânea, como os evocados nos terríveis Cantos de Maldoror. Enquanto a injustiça mantiver o nosso mundo no escândalo, não posso mudar de assunto” (…) Hoje a catástrofe que está diante de nós chega-nos direitinha do outro lado do Atlântico (…)”

Três actores “embarcam” em palco e passam por uma galáxia de anjos, prostitutas, vagabundos, loucos, artistas de cabaré e marinheiros, sempre estáticos num quarto atamancado que na medida que a vida se degrada se vai lentamente convertendo cada vez mais na ruína de um navio por entre o estrondo das vagas no alto mar – “nunca me lembrei sequer em ter a curiosidade de visitar os andares lá em baixo” lamenta-se a puta, por entre um desses vulgares apagões de consciência, agora que o compartimento foi irreversivelmente invadido pela água que jorra provocando o naufrágio eminente,,,
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