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quarta-feira, fevereiro 05, 2014

História da Ucrânia

Como nos vão dizendo, "o povo" da Ucrânia têm-se levantado contra o seu Governo, menos se diz que numa briga fútil sobre alianças comerciais. Enquanto este Governo eleito decidiu alinhar-se com a Rússia para fins comerciais, uma minoria de pessoas conservadoras e de extrema direita rejeitam essa opção e dispuseram-se a combater para que o alinhamento seja feito com a União Europeia. A futilidade surge porque não há a menor chance de que a União Europeia jamais venha a admitir a Ucrânia como membro pleno do grupo - a Europa só quer utilizar a Ucrânia como depósito de matérias-primas, como um mercado de 44 milhões de consumidores e, mais importante, como um apoio ideológico para justificar o renascimento do Fascismo na Europa. Entretanto a Rússia apressou-se a providenciar à Ucrânia um plano de ajuda económico-financeira no valor de 15 mil milhões de dólares. Enquanto algumas pessoas possam ser induzidas a temer uma aliança com a Rússia devido aos traumas da História, actualmente esta é sem dúvida a melhor opção económica.


A história do Estado da Ucrânia começa com uma catástrofe. Um crime. Em 1990, todos os edifícios públicos na sua arquitectura clássica, e os mais modernos que albergam os sectores de serviços associados à produção, estão encerrados, desoladamente silenciosos, os átrios esventrados, as persianas destruídas, pelos rombos nas fachadas vêm-se as paredes interiores esburacadas. As cidades parece que haviam sido bombardeadas. Quando as administrações públicas entraram em falência e incumprimento, deixaram de pagar salários, muitos milhares de pessoas, muitas com elevada qualificação académica e profissional, foram obrigadas a fugir para o estrangeiro em busca de meios de sobrevivência.

Há cerca de duzentos anos a região onde se situa a Ucrânia de hoje indefenia-se em redor da “Grande Polónia”, onde se interpenetravam diversas culturas, a Russia multiétnica das estepes a Leste, os ducados e principados Eslavos a Norte, o militarismo da Prússia e da Austria aliados ao fausto húngaro a Ocidente, o Sudeste relativamente despovoado, porém milenarmente influenciado pelos primeiros entrepostos comerciais fundados por colonos da Grécia, a raiz da cultura europeia, a qual no principio alimentou Atenas com o trigo das férteis terras da Crimeia e das pescas no Mar Negro. Tudo isto estava bem presente na memória dos povos locais quando alguns deles em 1791 tentaram unificar-se proclamando a “Constituição Republicana da Polónia”, a qual rezava pela primeira vez na Europa: "Rex regnat et non gubernat" - "o Rei reina mas não Governa" - quem governa é a vontade do povo expressa no Parlamento. A guerreia ao conceito de “união por uma pátria” que se seguiu culminou em 1795 na partilha da Polónia entre as grandes Potências cujo Poder Real concedido por Deus, era dono de um destino para o qual o Povo não era nem ouvido nem achado. Seguiu-se a repressão sobre os dissidentes, o caminho da diáspora …

A Ucrânia é um país relativamente novo, cuja criação tem ligações umbilicais à Europa, mas ainda mais com a formação da Rússia. A sua capital, Kiev, situada rio acima a mais de 600 km da foz do Dniepre data de antes da invasão Mongol no século XIII que destruiu por completo a cidade, situada no coração das estepes circundantes do Mar Negro e do Cáucaso tendo sido desde sempre alvo da tradicional disputa entre turcomanos a Sul, eslavos a Norte e das tribos nómadas de Oriente - o Reino de Kyiv pereceu com a modernidade. Tornadas as ligações fluviais obsoletas para o desenvolvimento do comércio, a Ucrânia moderna fica contudo a dever-se a uma “invasão” procedente do Ocidente, devido à construção do porto marítimo de Odessa numa localização estratégica na margem do Mar Negro, cidade cuja fundação teve lugar um ano antes de mais uma partilha da Polónia.

Foram estrangeiros europeus que fundaram Odessa, com o consentimento tácito do Império Russo segundo a política de expansão inaugurada por Catarina a Grande, a czarina que dá hoje o nome à avenida marginal da cidade. A maioria dos planificadores urbanísticos foram emigrantes da aristocracia francesa, fugidos das agruras da Revolução. Entre eles Armand-Emmanuel de Vignerot du Plessis, o duque de Richelieu, convertido no tutor, mecenas, enfim, o pai e benfeitor das crianças de Odessa; o conde de Maison, que havia sido o presidente do Parlamento de Rouen; Alexandre Langueron, o 2º governador, que dá hoje o nome à praia contigua ao porto, Langueron Point. Os arquitectos que projectam os edifícios são italianos, vindos na esteira dos grandes homens de negócios que emprestaram a língua italiana aos registos oficiais do comércio transnacional. A construção de navios coube por tradição aos gregos. Os fornecedores de trigo (triticum, a gramínea para fabrico de pão), que nos primeiros 100 anos foram a principal razão para a existência de Odessa, foram os latifundiários da ex-Grande Polónia, cujos carregamentos para exportação pelo porto de Odessa provinham principalmente dos campos da Podólia e da Galicia. Entre 1804 e 1813 as exportações triplicaram, o que coincidiu com a fome provocada na Europa ocidental pela desagregação das hostes de Napoleão após a sua fuga para Elba, situação que gerou uma torrente de lucros, dinheiro fácil para a especulação sobre a escassez de cereais.

Novo polo económico, cerca de 2.000 colonos chegaram a Odessa no primeiro ano (1795); o boom resultante da integração do que haveria de ser a moderna Ucrânia no nascente sistema capitalista, em 1812 já tinha atraído um total 35.000 novos colonos. Nesse ano sobreveio o primeiro grande grande desastre. Uma epidema de peste obrigou a fechar todos os edifícios, incluindo o Teatro de Ópera italiana, obrigando a população a permanecer dentro de guetos selados pelas autoridades, patrulhados por presidiários de correntes atadas ao pés com a missão de retirar os mortos e desinfectar as casas.

Richelieu era um homem do Iluminismo na visão sacra, enérgico, austero, de pensamento universal, solitário como todos os padres não infectados pela malandrice pecaminosa. Depositário de tais predicados, Richelieu não depara com qualquer obstáculo à sua nomeação para o cargo de governador da cidade, e depois para governador da provincia da Nova Rússia. A sua missão política seria criar ali uma “nova América”, que pudesse competir com a corrente de camponeses emigrantes de todos os países, libertos do antigo regime de servidão, ensinando-lhes métodos modernos de agricultura e de exercício da liberdade. No total, mais de um milhão de seres humanos foram atraídos para construir as suas casas sob a protecção deste ideal. Germânicos, gregos, moldavos, judeus (shtetls) eslavos da Polónia, técnicos agrícolas suíços. Richelieu assentou sobretudo a sua força política no contingente oriundo dos povos caucasianos de dialecto nogai e tártaros da Crimeia aliciando-os a abandonar o nomadismo por troca com a concessão de terras de cultivo. Decorria o ano de 1814, quando Richelieu, o verdadeiro fundador de Odessa, por entre os lamentos de multidões pesarosas, se meteu no coche e rumou de volta a França, onde seria empossado 1º Ministro em Setembro de 1815, escassos três meses após a derrota de Napoleão em Waterloo.

O primeiro governador russo foi Ivan Inzov, que exerceu o cargo até 1823, sendo substituído pelo conde Mikhail Voronstov. Com este aristocrata russo, educado em Inglaterra, a cidade, a província da Nova Rússia (e ele) enriqueceram. Construiram-se palácios para habitação privada, grandiosos edifícios públicos, foram plantadas vinhas para a produção de champanhe da Crimeia, a enorme villa de Richelieu foi convertida num palácio ao estilo Tudor-Mourisco com 150 quartos. Próspera, distante da capital do Império, Odessa transformou-se em local de exílio para dissidentes, como o poeta Alexander Pushkin, grupos de polacos libertários, comunistas, organizações de oposição do Báltico, homens de cultura, mais tarde na origem da Conspiração Dezembrista de 1825.

A derrota do Império Otomano em 1829 reconhecida pelo Tratado de Adrianópolis concedeu passagem livre às esquadras da Rússia através dos estreitos do Bósforo. Com a intensificação do comércio russo Odessa viveu um novo boom económico. Na Europa a abolição da “Lei dos Cereais” em Inglaterra no ano de 1846 significou a vitória da burguesia industrial sobre a aristocracia agrária, originando um declínio na produção de cereais. A primazia dada a partir de então à produção e exportação de mercadorias industriais obrigou os produtores agrários da Europa à competição com o trigo produzido e transportado da América a alto preço, o que se tornou num problema sério, criando uma crise europeia, que só se resolveria pela Guerra da Crimeia. Esta viria a ocorrer entre 1853 e 1856 (no sul da actual Ucrânia). Envolveu, de um lado o Império Russo e, de outro, uma coligação integrada pelo Reino Unido, a França, o Reino da Sardenha - formando a Aliança Anglo-Franco-Sarda – aliada ao Império Otomano (actual Turquia). Esta coligação, que contou ainda com o apoio do Império Austríaco, foi formada como reacção às pretensões expansionistas russas. Em 1854 uma esquadra anglo-francesa bombardeou Odessa causando prejuízos consideráveis. O estatuto dos portos-livres tinha expandido o comércio, mas pelo bloqueio do seu porto pelas potências ocidentais e pela aplicação de taxas aduaneiras às exportações de cerais para uma Europa em crise, pela falta de diversificação do mercado doméstico, Odessa ficou exclusivamente dependente da economia da Rússia a partir de 1859, ou seja, a data em que a província da Nova Rússia se transformou de facto na Ucrânia, povoada por uma salada de raças de dez nacionalidades.

Em 1897 cerca de 32% da população falava o yiddish (uma corruptela do alemão antigo), constituindo os judeus de Odessa o maior aglomerado de população judaica no mundo do seu tempo. Apesar disso, longe dos habitantes de língua russa, usada por mais de 50% dos habitantes. A terceira língua no país era o dialecto ucraniano, uma corruptela originária dos colonos primitivos, falada por uns meros 5,6% da população mas que trazia à cidade alguns resquícios da cultura mediterrânica, conferindo-lhe uma especificidade que sobreviveu até à vitória da Revolução Bolchevique.

Projectada e construida em 1841 por um italiano, um russo e um inglês, a monumental Escadaria Primorsky, cujo nome significa “na direcção do mar”, dá ao viajante que chega por via marítima uma falsa perspectiva, como se subissem para o Céu… O local foi cenário, no ano de 1905, de um dramático episódio, na sequência das lutas operárias, greves e grandes manifestações contra o regime Czarista, quando a tripulação do couraçado Potemkin saneou os comandantes, tomou posse do navio e entrou no porto da cidade em apoio dos revoltosos. A sanguinária repressão pelas “forças da ordem” que se seguiu seria o mote para as poderosas imagens filmadas por Sergei Eisenstein em 1925, o prodigioso vôo da câmara cinematográfica sobre os 220 degraus que deram definitivamente a conhecer ao mundo a cidade de Odessa. Lá no alto da escadaria, grandiosa vista cá de baixo (da terra), mas minúscula quando se chega lá acima (ao céu), permanece a estátua do Cardeal Richelieu, o primeiro monumento erigido na cidade.

a libertação da Rússia foi a liberdade da Ucrânia

2 comentários:

Anónimo disse...

Incorreto dizer que só um pais tem interesse no mercado de 44 milhões de habitantes. Parece que a Rússia tem muitos interesses econômicos. Parece que esquecem de dizer que a Rússia não é mais uma economia planificada. É uma economia capitalista com um só dono: Putin, que deseja expandir novamente a mãe Rússia a todo custo. Incluindo a invasão terrestre e aérea de fronteiras, fornecimento de armas e equipamentos. A Ucrânia não quer mais se submeter à Rússia, nem a qualquer outro pais. Quer fazer negócios livremente.

xatoo disse...

é lamentável que não tivesse entendido o que leu. A Ucrânia é tradicionalmente, nas suas origens étnicas, o mesmo território das etnias russas